terça-feira, 30 de agosto de 2011

Dadaismo: a arte da antiarte



A fumaça dos cabarés enchia os olhos dos artistas. Ali não havia espaço para a mesmice, para o lógico, para a conformação. Na cidade de Zurique, na Suíça, intelectuais de várias vertentes se sentiam inquietos com os rumos das artes, em todas as suas formas de expressão. O ano era de 1916. O mundo estava em sua Primeira Grande Guerra e as ruínas se espalhavam por toda a Europa.
Neste ano simbólico surge, em solo suíço, o Cabaré Voltaire. Sob a tutela dos escritores alemães Hugo Ball e Richard Huelsenbeck e do pintor Hans Arp, este exclusivíssimo grupo literário, que também abria espaço para exposições e teatro, realiza um grande encontro de música, dança, poesia, artes russa e francesa. Era o início de um movimento. Para batizar, um dicionário de francês, aberto ao acaso, expõe o termo dada – sem significado aparente – é adotado. Ainda que o sentido original da palavra – cavalo de brinquedo – possa de alguma maneira se encaixar nas idéias dos artistas, na verdade, é na escolha aleatória que está o grande cerne criativo para eles, o que realmente deve ser levado em conta.
A idéia do movimento era romper com tudo o que existia antes, com todos os valores e princípios, em especial os artísticos. Era iconoclasta por excelência. Aos poucos, outros cérebros foram se aproximando do grupo original, em especial Hans Arp, Marcelo Janco e o curioso poeta romeno Tristan Tzara. O tumulto dessa nova arte fez a fama do dadaísmo por toda a Europa. Não por acaso, Marcel Duchamp e Francis Picabia logo se interessaram.
Uma das principais características do movimento dadaísta está na postura interdisciplinar de seus trabalhos, afinal estamos falando de poetas, romancistas, artistas plásticos trabalhando em conjunto. A combinação de elementos era fundamental para a definição da arte dadá. Usando a subversão, o niilismo, a irreverência e a anarquia, o dadaísmo acaba sendo uma arte rompedora, não só contra o status-quo mas também com o conceito da própria arte, não apenas os seus princípios estéticos.
Com negação à idéia acadêmica ou crítica, o dadaísmo tenta validar a expressão humana, elevando objetos comuns à categoria de obras de artes – vide o Urinol, de Marcel Duchamp. Na literatura, por exemplo, poemas-pílulas, sem sentido, buscavam alavancar o conceito artísticos das palavras pelas palavras, desafiando e instigando os leitores. Ou ainda os textos caóticos feitos através de recortes de jornais, onde os escritores pinçavam palavras, colocavam em um saco, sorteavam e montavam suas obras ao acaso. Por sua vez, a pintura também buscava nesse enigma sua ostentação. Artefatos buscados aleatoriamente formavam colagens e usam a técnica literária – de recortes de jornais para capitanear a obra. Aliando isso à anulação da mecanização da sociedade, a pintura dadá até ousava em representar objetos por sua poética e não por sua função.
Já nas esculturas, o ready-made de Marcel Duchamp são o ponto alto da estética Dadá, que junta a experimentação, a desordem e a improvisação, praticamente criam um raio-X das propostas do estilo. Tanto que seu Urinol, que ele apresentou ao Salão dos Independentes, em Nova York, para competir com obras “tradicionais”, causou comoção no meio artístico, quando, nas entrelinhas, estava o questionamento da arte em seu ponto mais crucial, a estética.
Mas o dadá não parou por aí. O cinema e a fotografia também foram discutidas pelo movimento. Hans Richter, no primeiro caso, e Man Ray, no segundo, são os maiores expoentes dessa arte dadá. Nas películas, o resultado era tão abstrato quanto absurdo, explorando as imagens e suas potencialidades de movimento ao máximo. Já na fotografia, Ray, o inventor da conhecida técnica do raiograma, que consistia em tirar a fotografia sem a câmara fotográfica, ou seja, colocando o objeto perto de um filme altamente sensível e diante de uma fonte de luz, era o mais inventivo criador. Para o trabalho dos dois, apesar de seu caráter totalmente experimental, as obras assim concebidas conseguiram se manter no topo da modernidade tempo suficiente para passar a fazer parte dos anais da história da fotografia e do cinema artísticos.
Entre os principais nomes do movimento estão, na Alemanha, Richard Huelsenbeck, R.Haussmann, Johannes Baader, John Heartfield , G.Groz, Kurt Schwitters, Max Ernst – posteriormente um dos grandes nomes do surrealismo. Nos EUA, encontram-se o multi-homem Francis Picabia e Marcel Duchamp (originado da França) e Man Ray. Porém, Picabia também foi o elo de ligação com Albert Gleizes e A. Cravan, na Espanha, onde editaram em conjunto a revista dadá 391. Por fim, ele também se associa ao grupo de Tzara e Arp, em Zurique.
Com tal proposta eloqüente, uma crítica cultural ampla e irrestrita, o dadaísmo não poderia durar muito. Oficialmente, o ano de 1922 marca o término do dadá como movimento artístico. Porém, vários dos protagonistas migraram para o subseqüente surrealismo. Na década de 50, nos EUA, surgiram artistas como Robert Rauschenberg, Jasper Johns e Louise Nevelson, que buscaram no dadá certas orientações. No Brasil, alguns ecos foram ouvidos nas obras de Ismael Nery, Flávio de Carvalho, Jorge de Lima e Cícero Dias.
Esse foi o dadaísmo, um movimento radical que contestava tudo e todos. Uma vanguarda libertária e avassaladora, que tirou as amarras das artes para todo o sempre. Criou, acima de tudo, os diálogos interdisciplinares e estabeleceu uma nova maneira de se enxergar o mundo.

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